Traz-me aqui
este sentimento que me interrompe o quotidiano várias vezes. Vem de mansinho, a
espreitar. Por não lhe prestar atenção, começa a entrar-me nos espaços onde me
movimento. Não sendo ainda suficiente, traz-me memórias de odores, sabores, toques,
imagens, tão vívidas como se estivessem mesmo no meu toque, no meu paladar, no
meu olfacto. Nesse momento, presto-lhe mais atenção, a ela, à saudade: o que
estou a ouvir já não é só do momento presente, já me traz vozes do passado; os
cheiros levam-me a outros espaços; o que sinto transporta-me para outros
momentos do meu sentir.
Esta saudade
de que vos falo também é a saudade
do que já passou. Não é uma saudade de querer que o que passou volte; não, vivo
confortável no tempo e na vida em que me encontro. É uma saudade de sentir o
Ser de união que somos em alguns momentos.
Momentos que
despertaram o doce cantinho do aconchego; a coerência absolutíssima do momento,
dos actos, das pessoas, de tudo o que somos e sentimos naquele momento.
Percebem? Saudade não daqueles momentos, mas do sentimento daqueles momentos,
que nos inspira a verdade da vida, que nos enche do sentimento fantástico de
dádiva, de gratidão, da mais pura e simples tranquilidade. Diria que é o
sentimento de Amor, na sua expressão mais transparente.
Quando me
nasceu o meu filho; quando chorei a rir em tantas e tantas situações; quando
alguém me disse “gosto tanto de ti” de olhos cheios de gostar; quando me deitei
com a tranquilidade de confiar em absoluto no fluir da vida; quando passei os
olhos à minha volta e eu sentia que tudo estava exatamente como e onde deveria
estar; quando toda a minha existência estava completamente alinhada com aquilo
que tinha de mais certo e tranquilo para mim.
É isto tudo,
mas é também a saudade do que
projecto para a frente. Não faz sentido no nosso português, porque saudade é
referente ao passado. Mas ninguém explicou esta regra ao meu Ser, e ele sente
saudade do que ainda não chegou, mas que já projectou.
Tenho
saudades de estar mais vezes com quem vou estar daqui a uns dias; tenho
saudades das pessoas que chegarei a conhecer, mas que por voltas da vida
deixarei de ter contacto; da viagem que farei e das gentes que lá conhecerei,
mas cuja distância dos países impedirá os abraços frequentes.
E neste
abraço das saudades do que já passou e do que está ainda por se passar, fica a
necessidade de me concentrar nos cheiros de agora, e nos risos, e nos toques, e
nas cores. Para que usufrua do meu sentir de AGORA. E para que estes momentos, os de exactamente AGORA, não venham a ser momentos de
saudade, e sim de pura recordação! (tenho essa esperança…)
Joana Pires,
Abril 2012
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