Ao ler o texto da Ana
(cuja inteligência humorística me fez notar a seriedade dos meus textos, por
comparação, e me fez querer que ela escreva mais vezes), surgiu-me logo a
evidência de que, de facto, nós vivemos baseados na dualidade, na equação
constante dos opostos, na descoberta de novos caminhos (dentro e fora de nós)
quando as agudezas polarizadas da vida nos atingem.
Precisamos da noite para
que surja o dia; precisamos de saber o que é chorar, para também sabermos o que
é rir; precisamos de saber o que é ter, para sabermos o que é perder;
precisamos dos pólos do Bom e do Mau para nos irmos situando na vida;
precisamos de conseguir dormir, para que seja possível acordarmos; precisamos
da mãe má e da mãe boa para encontrarmos a verdadeira mãe algures.
E estas polaridades todos
temos, todos mesmo. Somos más mães e boas mães, em momentos diferentes; e pais;
e trabalhadores; e amigos; e … Umas coisas numas alturas, outras noutras. E é
exatamente por isto que eu acho que os criadores (do que quer que seja) vão ao
fundo dos opostos: para que eles nos ecoem, bem ou mal. Se as coisas estiverem
na esfera do mediano, não nos fazem sentir coisa nenhuma. Lemos, ou vemos, ou
ouvimos, e passou. Mas sempre que vemos os grandes feitos ou as grandes atrocidades
dos Homens, aí a nossa barriga ou expande ou se encolhe, mas não fica
indiferente.
Esta constatação levou-me
a outro sítio, que é o que realmente me inquieta: porquê? Porque é que nós,
humanos, precisamos de ficar às escuras para valorizarmos a luz? Porque é que
temos de sentir solidão para valorizarmos quem nos rodeia? Porque é que
precisamos de estar sempre a falar nas coisas, balizando-as como boas ou más?
Seja o governo, seja o vizinho, seja a praia, seja o trabalho,…
E concluo que não precisamos.
É o caminho quase automático que todos percorremos; mas não precisamos de o
fazer. A partir do momento em que paramos e tomamos consciência de que a
dualidade É, Existe, e pronto, podemos escolher viver e explorar o caminho que
liga um oposto ao outro. E aí já estamos concentrados algures no caminho entre
o “bom e o mau”, seja mãe, seja o que for, a experimentar coisas novas, cores
novas, com a viva tranquilidade da distância das polaridades.
Acredito que isto é
possível, e acredito que isto nos pode trazer Paz de Espírito – por pararmos a
roda frenética do consumo (consumo de juízos de valor, de críticas, de passeios,
de ideias, de amores, de sapatos, de jantares, de sentimentos arrebatadores, de
dores e felicidades agudas …. De tudo). E quando paramos, será que se instala o
vazio? Acho que o primeiro sentimento se assemelha a isso, sobretudo por ser
desconhecido, e o desconhecido causar medo, e o medo causar vazio. Mas depois
vem a tranquilidade de se estar e ser simplesmente onde se está e é. E fica
monótono? Só fica se nos desligarmos da vida, da vida natural. Porque nada do
que vive é monótono, jamais.
Ainda não sei bem como se
faz. Mas sei que quero um dia saber. Sem ter de virar monja nos Himalaias, e
deixar de ter cabelo comprido, e deixar de trabalhar, e ter um filho, e
família, e amigos, e deveres e direitos enquanto cidadã, e irritações, e
grandes e pequenos prazeres da vida. Este é o meu grande desafio: viver
humanamente, mas sem precisar da dureza das polaridades para me encontrar e
encontrar os outros.
Joana Pires, Agosto de
2012
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