quarta-feira, 20 de outubro de 2010

E como gerem as crianças as suas contrariedades?...


E como gerem as nossas crianças a contrariedade do seu quotidiano? Acho que é uma boa pergunta.
Começo por dizer que tenho uma visão global das coisas. Ou seja, é pouco prático e funcional ver a criança só por si, porque ela está sempre envolvida em diversos contextos. E tenho, para mim, que as crianças não têm nem mais nem menos valor do que nós; a sua irritação é tão válida quanto a nossa; os seus desejos são tão válidos quanto os nossos; o seu Ser tão válido quanto o nosso. O que acontece é que nós, adultos, tendemos ou a ver a criança como uma vítima do nosso comportamento stressado, ou uma pulga agitada que nunca acarreta as nossas ordens. Há um meio termo, um equilíbrio, entre estes dois níveis.
Naturalmente que questões como as birras, ou comportamentos opositores, etc, só podem ser pensados quando nós, adultos, estamos calmos. No meio da irritação não se chega a nenhuma conclusão, apenas se re-age, em vez de se agir!
Apesar de considerar que temos os mesmos direitos e valores, nós, os adultos, e as crianças, os papéis que desempenhamos no mundo e uns face aos outros, são substancialmente diferentes, em várias coisas. Hoje centrar-me-ei apenas numa, que é a nossa responsabilidade de pensarmos as coisas, no porquê de elas se passarem como se passam, e pormo-nos (agora que estamos calmos e tranquilos!) nos sapatinhos das crianças, para que em situações de “crise” possamos agir de forma diferente.
Se para nós é frequentemente difícil cumprirmos as nossas obrigações, imaginem para uma criança. Nós ainda temos a opção de escolha: temos aquele trabalho ou outro; pomos o despertador para aquela ou outra hora; escolhemos este ou aquele caminho de manhã. Mais ainda, e sobretudo: temos uma maturidade cognitiva e emocional que as crianças não têm. Quando nos sentimos irritados, temos a capacidade e a escolha de pensar porque é que nos sentimos assim, e tentar alterar isso. Como vos dizia: temos a capacidade de acordar de manhã, quando nos sentimos mais cinzentos, e decidir se vamos rabujar ou aproveitar o dia. As crianças não.
Elas sentem uma série de coisas, muitas vezes a tal contrariedade que nós sentimos, mas não conseguem identificar que é isso que as está a incomodar; ou que chegam a casa com uma grande birra porque a professora ou um colega lhes falou mal e isso os magoou; ou dormiram mal; ou os pais escolheram mal a roupa de manhã, e por isso passaram o dia ou com frio ou com calor,…! E para além de não conseguirem identificar a causa, não conseguem chegar à conclusão de que estão chateados, e dizerem-nos isso. Então a forma que lhes é possível de exteriorizarem isso (as crianças são muito sábias – espontaneamente sabem que as raivas e tristezas são para pôr cá para fora!) é embirrarem com tudo, sobretudo com os pais. Porquê com os pais? Porque são as pessoas mais seguras que eles têm: sabem (felizmente!) que façam o que fizerem, eles continuarão a amá-los. Mas também por outra razão igualmente importante: porque os pais têm a enorme função de ir decifrando o mundo aos filhos. Quando eles são pequeninos, começa-se por: “é o carro”, “é o cão”, “o avião”, etc. Começa-se a decifrar o mundo que os rodeia e que eles não conhecem, dando-se-lhes nomes, explicando-se-lhes as suas funções.
E relativamente às emoções, ao mundo interno que vai crescendo dentro deles e eles também não conhecem? Neste campo muitos de nós acham que não é preciso, que eles chegam lá sozinhos. É verdade que chegam, as crianças têm uma sabedoria enorme, mas se não lhes traduzirmos as suas emoções, o caminho que elas têm de percorrer pode ser muito mais longo e doloroso.
Como é que se faz, na prática? O mais fácil é com exemplos. Podem ser centenas deles, deixo-vos alguns.
- uma criança chega a casa com a tal birra, a guinchar por tudo e por nada; nós até estamos também cansados, mas lá está, temos a obrigação (que eles ainda não têm) de recorrermos à nossa maturidade e termos paciência. O primeiro passo é traduzir o que estamos a ver e a sentir: “estás mesmo chateado hoje, estás zangado, estás a embirrar com tudo. Aconteceu alguma coisa?”. Não acalmarão à primeira, claro, mas abre-se a porta para eles sentirem compreensão. Se estiverem muito agitados fisicamente e sentirmos que estão em sofrimento, ou angústia, ou fora do seu controle, agarramo-los fisicamente. Eles não vão querer, mas nós persistimos, e isso acabará por os acalmar. Se eles não nos conseguirem dizer porque estão assim, podemos ir avançando “às vezes sentimo-nos chateados e zangados e não sabemos porquê, isso acontece; mas depois passa”. É importante que o facto de termos esta paciência e tolerância com eles, não significa que os deixemos fazer tudo, de todo. Eu agarro-o mas não lhe permito que me dê pontapés: “eu sei que estás zangado, mas não gosto e não deixo que me magoes, ok?”, e agarramos-lhes as pernas, para os conter e para eles sentirem que, efectivamente, somos mais fortes. E isto dá-lhes segurança! E á medida que vamos fazendo isto, agarrando, aconchegando, dizendo que os sentimos chateados mas que vai passar, isto vai os tranquilizando. É que resulta, mesmo! Claro que é preciso paciência e tempo (este bem tão valioso!). Tempo para estarmos ali com eles, a ajudá-los a lidarem com aquilo que os incomoda e eles não conhecem!
Porque é que haveremos de estar com eles só quando estão com caras giras e meiguinhas? Porque é que nos vamos embora quando estão chateados? Não faz sentido, pois não?
Por isso é bom irmos pensando nisto, vermos se nos faz sentido, agora que estamos calmos. Não conseguimos fazer isto sempre, claro, mas se o fizermos de vez em quando já é bom. E depois vamos aumentando a nossa capacidade de o fazer, e eles vão aumentando o seu conhecimento sobre si e, consequentemente, vão diminuindo a frequência dos momentos de perda de controle.
Os exemplos podem ser muitos, mesmos muitos, de acordo com a especificidade de cada criança e de cada circunstância!
Irão surgindo mais! Mas qualquer dúvida específica, estou (estamos!) à vossa disposição!
Joana Pires

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